Sou um cara de sorte! Pois acredito que pude sentar no trem da história do varejo e assistir uma das maiores transformações do setor comercial no Brasil em quase 30 anos dedicados a esse mercado.

Meu pai era industrial, ferramenteiro de oficio e projetista, era especialista em ferramentas progressivas para a indústria de eletrodomésticos e posteriormente se encontra com sua maior paixão, o mercado de bicicletas.

Era um apaixonado pelos produtos que criava, paixão inerente aos industriais das antigas, que curiosamente primeiro criavam para depois saber se existia mercado para seus produtos.  Conheci muitos que como ele, a paixão ou vocação não era vender, mas que sua criação fosse elogiada.

Vivi dos 12 aos 30 anos no chão de inúmeras fábricas e assisti o mercado de bicicletas se recriar. Durante anos fora dominado por apenas duas grandes empresas, e na década de 90 começaram a sentir o impacto de empresas que desenvolviam peças dos mais variados modelos e tipos. Criou-se assim um mercado atualmente dominante e paralelo da montagem de bicicletas, inspirado nos desafios de desenvolvimento de produtos chefiados pelo meu pai.

Apesar de tê-lo como minha maior inspiração e espelho profissional, eu não me encantei pela indústria, tinha certo que vender era o grande negócio. A indústria desenvolvendo produtos exclusivos (possíveis nessa época) e eu vendia por todo Brasil para Atacadistas do mercado.

Ganhei aos 12 anos uma pequena fábrica de skates do meu pai e nessa época já produzia com alguns amigos da escola depois da aula matinal, cerca de 500 skates por mês que iam para a rede Paes Mendonça e lojas de bikes (o skate começava a ganhar forma no Brasil).

Um pouco mais tarde, com 16 anos, me tornei vendedor autônomo de peças para lojas de bikes, e na sequência atendi atacadistas desse mercado.

Foi então  que uma primeira rede de varejo do interior de São Paulo entra na minha vida, dessa forma dou início a uma trajetória de vendas de vários segmentos para todos Brasil.

O ano 2000 marca meu primeiro contato com um e-commerce, a Americanas.com, recém criada e que era um projeto novo para um de nossos clientes a Lojas Americanas.

O encantamento foi imediato! Nesta época  a internet era discada (máximo 56 kbps), o pagamento via cartão de crédito dependia da consulta manual em uma espécie de “lista telefônica” com os dados do cartões ativos e inativos, e o celular ainda era algo que servia apenas para falar com as pessoas :-).

Vi nesse negócio uma oportunidade única, de fazer de forma diferente o que muitos dos meus parceiros comerciais e clientes não faziam e talvez nem pudessem imaginar o que se tornaria.

Segui porém,  certo de que não seria algo passageiro, mas uma evolução que mudaria o varejo e a forma das pessoas comprarem e quem sabe um dia, da indústria (que poderia se relacionar com seus consumidores sem intermediários).

A medida em que o mercado de e-commerce ia crescendo e novos players aparecendo, muitas redes de varejo físico tinham fechado as portas no final da década anterior (Mesbla, Mappin, Brasimac, Buri, Arapuã e outros). Esse novo mercado aparecia como uma oportunidade, mas a tarefa de convencer a indústria a entrar nesse novo mercado, sempre foi vista com desconfiança.

Eu me sentia um alienígena, tentando convencer os donos das empresas que eu atuava a entrar nesse mercado e o primeiro motivo que ouvia de todos, era…

“as lojas tradicionais enxergam o e-commerce como uma ameaça e se nos vendermos para esse tipo de empresa, essas lojas ou redes tradicionais, deixarão de comprar nossos produtos.”

E muitos deixaram.

Uma coisa era certa, um produto vendido por nós, depois de muito insistir com as indústrias, aparecia num e-commerce e no outro dia tinha uma série de telefonemas de clientes de lojas físicas reclamando, tive que administrar isso por mais de 15 anos.

Hoje entendo um pouco esse receio existente na época, imagine que a maioria das indústrias em 2000 tinham se estabelecido vendendo para lojas físicas. Suas equipes de representantes na rua  saiam visitando essas lojas e esse modelo de negócio era assim a mais de 50 anos.

Como poderia um negócio novo desconstruir o que esses empresários tinham como modelo de sucesso de seus negócios até então ?

A resposta era questão de tempo, pois a medida em que a internet ia ficando mais rápida, o número de ofertas nos e-commerces crescia vertiginosamente e você já podia encontrar quase todos os tipos de produtos nessas lojas virtuais. O receio de colocar dos dados do cartão de crédito havia ficado para trás com a evolução das tecnologias de segurança e de 2005 a 2015. Todas as empresas que cuidávamos, já estavam nesse mercado e tinham o e-commerce como uma percentual significativo de seus faturamentos.

Mas ainda faltava o e-commerce resolver alguns problemas de vendas das indústrias e distribuidores e o negócio de Marketplace é a grande virada.

Para melhor ilustrar essa mudança, vou citar dois casos emblemáticos:

Case Master Bike

Fabricante de Bicicletas do Interior do Paraná, empresa tradicional do segmento, com foco nas vendas para lojas de móveis e eletrodomésticos. Durante quase uma década, no começo havia uma receio claro por parte da empresa, dúvidas quanto a evolução nesse mercado.

De certa forma quem viveu nesse mercado tradicional conhecia seus clientes, o negócio do e-commcerce era cercado de dúvidas, e meu trabalho era ter paciência, mostrar as oportunidade no tempo da empresa.

Hoje, quase 3 anos depois, uma das maiores apostas da empresa está nesse modelo de negócio, inclusive com a criação de uma Linha com mais de 200 skus e uma marca exclusiva para o varejo online.

Case  MKS

Distribuidora das Marcas Adidas Combat Sports e de sua própria marca a MKS Combat. É uma empresa com quase 25 anos de mercado, acostumada com a distribuição de grandes volumes para abastecimento do mercado de artes marciais e sempre foi focada nesse modelo de negócio.

Durante quase 2 anos tivemos inúmeras conversas sobre a oportunidade da entrada deles nesse novo tipo de negócio, o Marketplace, mas haviam mais perguntas e dúvidas do que conseguíamos evoluir no início. Mas a persistência nunca me faltou e hoje esse modelo de negócio é um dos maiores focos de investimentos da empresa, ganhando relevância em seu faturamento a cada ano.

Nessa empresa, houve uma adequação a esse novo modelo de negócio em seu mix de produtos a medida em que percebiam as oportunidades. Ainda continuam trazendo grandes volumes de determinados itens para venda no Atacado, mas suas linhas foram ampliada para adequar-se ao mercado de e-commcerce, com a introdução de inúmeros novos produtos nunca antes trazidos. 

Isso vem aumentando consideravelmente o número de ofertas de produtos aos consumidores, a extensão considerável da “cauda longa” e ampliando suas perspectivas de negócios.  Isto mostra  que empresas que tem esse poder de adaptação, se reinventam em qualquer nova situação de mercado e oportunidades.

Conclusão

A indústria desenvolve e cria coleções com uma enorme variação, investe em novos produtos e tecnologias, faz investimentos em marketing e muitas vezes os produtos acabavam não obtendo sucesso de vendas, pois a equipe de representantes acha que não vai vender.

Os compradores das redes de varejo ou do e-commerce queriam apostar nos itens de curva A ou somente o que vende. Com isso, a indústria fazia e faz um esforço absurdo para criar e muitos produtos estavam fadados ao fracasso, antes mesmo de chegarem aos consumidores e esses são a razão dessas novas criações.

A indústria vem se rendendo a esse modelo de negócio, pois pela primeira vez pode deixar que o consumidor defina o sucesso ou fracasso de uma linha, de novas cores, de novos produtos. Pode-se até mesmo testar e ampliar seu mix de produtos, baseado na vendas e no feedback dos consumidores, uma relação sem intermediários, onde o preço é controlado no e-commerce pela indústria e não pelo varejista.

Mesmo com uma preço sugerido de venda ao mercado, assombrava as marcas quando um item era vendido abaixo desse preço, criando desconforto com outros e-commerces.

O modelo de Marketplace veio como esse elo, quebrando essa barreira e dando a oportunidade de que indústrias tradicionais se relacionarem diretamente com seus consumidores.

E ainda tendo controle total de como seus produtos serão expostos. Por um outro lado os e-commerces oferecem mais e mais ofertas aos milhões de consumidores conquistados nessas últimas duas décadas, seu ativo mais precioso.

Como todo novo modelo de negócio, há um período de maturação natural e adequações, acredito que nesse momento estejamos passando por isso. Para a indústria é muito importante, não abrir mão de seu  próprio e-commerce pois se trata de operações que se complementam (assim como as vendas para lojas físicas).

Eu trabalho com vários segmentos (esportivo, musical, eletrônicos, entre outros), e venho observando nos últimos anos, o encolhimento de indústrias cujos mercados são “nichados”.

Nessas horas é de grande  valia,  buscar profissionais qualificados para um direcionamento correto de atuação nesses novos negócios online, para então usar o Marketplace como uma ótima oportunidade de negócio .

Author

Formado em Administração com Especialização na Gestão de Varejo pelo Senac e Gestão de E-commce pela FMU, Fotógrafo Profissional especializado em produtos, atua em projetos de varejo a quase 30 anos, hoje é Diretor na CR2G Agência de Marketing, empresa com foco na avaliação, preparação e adequação de grandes industrias para atuação comercial (vendas) no mercado online.

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